
A Mãe Natureza é uma assassina em série?
Durante estes dias de quarentena, vi um daqueles filmes que se tornaram moda com a pandemia. Neste filme, um dos actores que interpreta o papel de um médico de doenças infecciosas diz ao protagonista do filme: - "A Mãe Natureza é um assassino em série. Ninguém é melhor ou mais criativo. Mas, como todos os assassinos em série, ela não consegue evitar o desejo de querer ser apanhada. De que servem todos aqueles crimes brilhantes se ninguém fica com os louros? E assim, ela deixa migalhas. Agora, a parte difícil é ver as migalhas. Mas a pista está lá. Às vezes, o que pensávamos ser o aspeto mais brutal do vírus, acaba por ser a fenda na sua armadura. E ela adora disfarçar as suas fraquezas como pontos fortes. Ela é uma cabra."
Todos nós nos interrogamos sobre a origem deste vírus e desta pandemia. Para muitos, a sua origem tem um nome e um lugar e resulta, em grande parte, de hábitos alimentares e de higiene que têm necessariamente de ser alterados em prol de um mundo global e interligado. Para outros, a pandemia resulta da permanente subestimação, por parte dos governos e dos governantes, da gravidade da situação; e, finalmente, há quem lhe atribua uma espécie de carácter de "castigo", como resultado do comportamento nocivo de grande parte da humanidade em relação ao nosso planeta.
Mas uma coisa é certa: a pandemia do coronavírus abalou irreversivelmente o status quo e mostrou como não estamos preparados para o imprevisível. O coronavírus tornou muito visíveis problemas importantes das nossas sociedades actuais, como a falta de preparação de muitos dos nossos dirigentes para uma crise desta natureza; mostrou as profundas desigualdades económicas e sociais das nossas sociedades; ou ainda o individualismo ou a falta de consciência colectiva sobre o bem comum que todos deveríamos ter.
Michael Ryan, diretor executivo do programa de emergência da Organização Mundial de Saúde (OMS), afirmou recentemente que o Coronavírus não trabalha sozinho. Para ter sucesso, o Covid-19 precisa de ajuda, ajuda de sociedades com governos pouco estruturados e desenvolvidos, de sociedades e populações pouco educadas e, acima de tudo, com comportamentos individualistas. A Comissária Europeia para a Saúde, Stella Kyriakides, manifestou a sua preocupação com o aumento de casos de Covid-19 em vários países da Europa, culpando as populações que demonstraram alguma "complacência e negligência", nomeadamente no cumprimento rigoroso de regras básicas de educação, como o distanciamento social, o uso de máscaras e a higiene.
Mas nem tudo são más notícias. A pandemia obrigou-nos a repensar as nossas prioridades e a dar importância ao que realmente importa. São inúmeros os casos que testemunhei em primeira mão de executivos de alto nível que me referiram a importância de se reconectarem com as suas raízes e, acima de tudo, com as suas famílias, especialmente com os seus filhos, compreendendo os seus medos, ansiedades e sonhos como nunca antes e podendo ajudá-los.
A onda de solidariedade e calor humano a que assistimos em todo o mundo demonstra que é possível ajudar sem pedir nada em troca (e aqui deixo a minha mais sincera homenagem a todos os profissionais de saúde direta ou indiretamente envolvidos na luta contra o Coronavírus e a todos aqueles que com pequenos gestos levaram alegria e companhia a quem precisava).
Hoje vemos a importância que a liberdade de circulação tem para todos nós e como é importante preservá-la; o valor que damos àquele abraço que não demos quando podíamos; também que é possível viver com menos ou como é importante estar com quem realmente gosta de nós e não viver artificialmente para os outros como nos habituou a constante publicação nas redes sociais como se a nossa intenção fosse mudar a máxima filosófica de Descartes de: "Penso, logo existo" para "Publico, logo existo".
Temos de nos adaptar a esta nova realidade e mais depressa do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, temos a oportunidade de introduzir novas boas práticas e novos hábitos que realmente fazem a diferença para melhor, uma vez que a velha forma de fazer as coisas já não funciona.
Todos temos de aprender as nossas lições com esta crise da Covid-19 e, enquanto cientistas e investigadores de todo o mundo procuram uma cura para esta doença, temos de refletir sobre as lições aprendidas. Mais do que um Serial Killer, a Mãe Natureza, como qualquer mãe que cuida dos seus filhos, é sábia e disciplinadora e, mais uma vez, traz-nos novas lições, quer as apliquemos ou não. Mas até quando teremos essa possibilidade?
* Este é um artigo de opinião pessoal baseado em algumas das minhas descobertas durante estes últimos meses de confinamento em casa.